Cresce procura por serviços que orientam grupos familiares a proteger o patrimônio e preparar os herdeiros.
Caderno: Eu & Investimentos
Data : 16/06/2004
por Felipe Frisch
Há alguns anos, uma milionária viúva freqüentadora de bingos conheceu um senhor disposto a um "relacionamento maduro". Em pouco tempo, ele se mudou para a casa dela e transferiu as contas para o nome dele. Depois de um ano e meio, o relacionamento acabou e o ex-namorado pediu partilha de bens.
Tentativas de golpes como essa, que têm como alvos herdeiros milionários, são freqüentes, diz o advogado Emílio José Ribeiro Soares. No caso da viúva, os seis filhos haviam constituído uma empresa, que recebeu os bens da família. A mãe era só uma sócia que transferiu sua parte aos filhos. Foi o que frustrou a ação do golpista.
Para planejar a sucessão familiar dos bens e protegê-los, escritórios familiares inspirados nos criados pelos tradicionais clãs milionários - o exemplo clássico é dos centenários Rothschild - estão se multiplicando. São os multi-family offices, escritórios que atendem mais de uma família. Com a abertura da economia brasileira nos anos 90 e a venda de grupos nacionais para estrangeiros, houve uma explosão no número de milionários com dinheiro na mão.
"As empresas aqui surgiram com o trabalho que se transformou em riqueza, mas para a geração seguinte a riqueza vem pela administração do que foi construído", explica o especialista em sucessão familiar Renato Bernhoeft. Como o modelo empresarial brasileiro tem menos de 50 anos, a maior parte das grandes empresas ainda está sendo transferida para a segunda geração. "O Brasil é um dos países em que a riqueza está mudando de mãos mais rapidamente", diz o consultor. De cem fortunas existentes, afirma, apenas 18 foram herdadas.
O objetivo do serviço é gerir o patrimônio, incluindo a orientação de investimentos e consultorias jurídica e tributária. Os formatos são diversos: de gestoras que criam áreas para administrar fortunas a escritórios de advocacia com foco na sucessão e na orientação tributária.
No mundo, são estimados 5.500 escritórios que atendem a herdeiros. Na América Latina, são apenas 220, para 3.850 nos EUA. Consultores especializados dizem que, no Brasil, não passa de 15 o número de escritórios "legítimos", que atendem a uma única família, ou seja, os "single family offices".
Os mais conhecidos são das famílias Gerdau, Unibanco e Safra. Mas não se deve confundir a empresa familiar com o family office. O objetivo do escritório é justamente separar o patrimônio da família do negócio familiar.
Em alguns casos, uma opção é transmitir a administração da empresa familiar para um profissional. Um erro comum, segundo ele, é o herdeiro olhar a empresa da família como "um lugar para trabalhar amanhã". "Uma empresa com três herdeiros pode passar a ter três donos e estes precisam se entender", diz Bernhoeft. Segundo ele, ainda é prática nas empresas familiares brasileiras o uso de funcionários - como motorista e contador - para finalidades pessoais.
Na opinião de Bernhoeft, o mercado de capitais pode contribuir para a separação e também sai beneficiado pela mudança do papel do herdeiro para o de investidor que recebeu uma participação acionária. Em parte, foi o que fez a multi-familiar Natura. Os três controladores abriram o capital, sem abrir mão do controle, colocando 25% das ações no mercado e ainda diversificaram os patrimônios pessoais.
O crescimento do número de milionários aumenta a necessidade de serviços especializados. De acordo com estudo da corretora Merrill Lynch e da consultoria Capgemini, o número de pessoas com mais de US$ 1 milhão de patrimônio no Brasil cresceu em 2003 para 80 mil, comparado a 75 mil em 2002, com um patrimônio de US$ 1,75 trilhão. Parte desse aumento reflete a valorização do real em 2003, mas a tendência mundial é de crescimento. No mundo, são 7,7 milhões de milionários, donos de US$ 28,8 trilhões. O número de milionários cresceu 7,5% e o patrimônio 7,7% só no ano passado. A expectativa é de chegar a US$ 40,7 trilhões até 2008.
Para aproveitar o nicho promissor e popularizar o segmento no Brasil, até o padrão internacional foi adaptado. Nos EUA, os family offices têm patrimônios acima de US$ 150 milhões, mas aqui há escritórios que oferecem serviços para famílias com mais de R$ 1 milhão em ativos. Os custos podem variar de 0,6% ao ano sobre o patrimônio - para valores acima de R$ 100 milhões - a 1% para faixas próximas de R$ 1 milhão. Segundo o diretor sênior e responsável pelo Private Bank do Itaú, Lywal Salles, se fosse respeitado o padrão mínimo de US$ 50 milhões de alguns family offices, menos de 70 famílias teriam patrimônio para isso.
Planejar a sucessão inclui também escolher a melhor forma de diminuir a mordida de impostos ou de relações conjugais mal resolvidas. "Se o filho está namorando, pode ser constrangedor fazer um pacto de convivência, mas quando há um escritório para isso, fica mais difícil levar para o lado pessoal", diz Emílio Soares. Ele hoje tem 20 clientes, mas montou a Naopim Family Office para administrar o dinheiro da própria família, após a venda da fábrica de cimentos Montes Claros para a francesa Lafarge, por US$ 120 milhões em 1996, e teve de distribuir os recursos entre 22 sócios, entre primos, tios e os pais.
Emílio conta que mesmo orientações que parecem simples podem ajudar os clientes. "Quem estiver com o patrimônio numa holding pessoal pode estar perdendo dinheiro, aí é melhor deixar na pessoa física, mas ficar com vários imóveis na pessoa física pode não compensar e pode ser melhor montar uma holding imobiliária", exemplifica.
Uma medida raramente utilizada pelos clientes, mas que pode evitar pagamento de Imposto de Renda desnecessário é, em caso de obras num imóvel, pedir o reconhecimento do aumento do valor do bem no Registro de Imóveis. "Isso evita que seja caracterizado um ganho de capital na venda", diz Emílio Soares.
Outro caso, diz ele, é quando os pais querem dar dinheiro para os filhos: pode ser melhor fazer isso por meio de uma distribuição de dividendos, livres de tributação, ao contrário do que acontece na doação. E, em algumas situações, pode ser melhor distribuir o patrimônio em vida para evitar que os herdeiros tenham de arcar com os impostos.
"Ser herdeiro pode ser a pior coisa do mundo, pois precisa-se conviver com o sucesso da geração anterior e, se não mantiver o patrimônio, vão dizer que nem isso o sujeito foi capaz de fazer", avalia o especialista em governança familiar René Werner, egresso de um family office que administra os recursos sua família, fundadora da Sumaré Indústria Química.
Uma da gestora de recursos que criou área especial para grandes fortunas familiares foi a Fidúcia Asset Management, braço de multimercados da Rio Bravo. Segundo o diretor executivo da Fidúcia, Marcelo Serfaty, eles atendem sete famílias e administram cerca de R$ 400 milhões com um ano de empresa. A ambição é chegar a 40 famílias em dois anos. Há negociações com 30, mas muitas não conseguem definir suas estruturas de decisão e de risco.
Com a crescimento da importância dos family offices, a idéia de que só imóveis garantem o patrimônio está mudando. De acordo com o estudo da Merrill Lynch e da Capgemini, em 2003 o investimento em ações teve a maior fatia das aplicações milionárias no mundo - 35% do patrimônio destes ante os 20% de 2002. Investimentos alternativos - hedge funds, moeda estrangeira, arte, metais e produtos estruturados - foram 13%, contra os 10% de 2002. A renda fixa caiu de 30% para 25% dos investimentos. Apesar do aparente aumento do apetite pelo risco, os imóveis eram 15 do patrimônio em 2002 e hoje são 17%.
Segundo Serfaty, não há um perfil de risco único na gestão familiar de fortunas. Mesmo que o padrão de vida não mude de R$ 100 milhões para R$ 200 milhões investidos, algumas famílias têm gerações jovens, estão em fase de crescimento e acabam assumindo mais risco. Outras já estão em fase de gasto da renda, precisam de mais caixa e têm menos tolerância à volatilidade, diz.
Para dar conta das diversas demandas desse público, Lywal Salles, do Itaú, estabeleceu parceria com cerca de 20 instituições, entre escritórios de advocacia e até mesmo gestoras de recursos não pertencentes ao grupo Itaú.
"Temos preocupação em trabalhar com uma arquitetura aberta, ou seja, oferecer produtos de diversas instituições brasileiras e estrangeiras", diz ele, que considera a preocupação em só vender produtos da própria instituição danosa ao serviço.
Por contraditório que pareça, a humildade no atendimento a este tipo de cliente é fundamental. "Não podemos querer atender 100 famílias de uma vez", diz Salles, que dá conta de seis fortunas familiares, cerca de R$ 500 milhões totais. Cada família é atendida por um diretor do banco e mais quatro profissionais, alguns com origem em famílias do seleto grupo de milionários.
Há alguns anos, uma milionária viúva freqüentadora de bingos conheceu um senhor disposto a um "relacionamento maduro". Em pouco tempo, ele se mudou para a casa dela e transferiu as contas para o nome dele. Depois de um ano e meio, o relacionamento acabou e o ex-namorado pediu partilha de bens.
Tentativas de golpes como essa, que têm como alvos herdeiros milionários, são freqüentes, diz o advogado Emílio José Ribeiro Soares. No caso da viúva, os seis filhos haviam constituído uma empresa, que recebeu os bens da família. A mãe era só uma sócia que transferiu sua parte aos filhos. Foi o que frustrou a ação do golpista.
Para planejar a sucessão familiar dos bens e protegê-los, escritórios familiares inspirados nos criados pelos tradicionais clãs milionários - o exemplo clássico é dos centenários Rothschild - estão se multiplicando. São os multi-family offices, escritórios que atendem mais de uma família. Com a abertura da economia brasileira nos anos 90 e a venda de grupos nacionais para estrangeiros, houve uma explosão no número de milionários com dinheiro na mão.
"As empresas aqui surgiram com o trabalho que se transformou em riqueza, mas para a geração seguinte a riqueza vem pela administração do que foi construído", explica o especialista em sucessão familiar Renato Bernhoeft. Como o modelo empresarial brasileiro tem menos de 50 anos, a maior parte das grandes empresas ainda está sendo transferida para a segunda geração. "O Brasil é um dos países em que a riqueza está mudando de mãos mais rapidamente", diz o consultor. De cem fortunas existentes, afirma, apenas 18 foram herdadas.
O objetivo do serviço é gerir o patrimônio, incluindo a orientação de investimentos e consultorias jurídica e tributária. Os formatos são diversos: de gestoras que criam áreas para administrar fortunas a escritórios de advocacia com foco na sucessão e na orientação tributária.
No mundo, são estimados 5.500 escritórios que atendem a herdeiros. Na América Latina, são apenas 220, para 3.850 nos EUA. Consultores especializados dizem que, no Brasil, não passa de 15 o número de escritórios "legítimos", que atendem a uma única família, ou seja, os "single family offices".
Os mais conhecidos são das famílias Gerdau, Unibanco e Safra. Mas não se deve confundir a empresa familiar com o family office. O objetivo do escritório é justamente separar o patrimônio da família do negócio familiar.
Em alguns casos, uma opção é transmitir a administração da empresa familiar para um profissional. Um erro comum, segundo ele, é o herdeiro olhar a empresa da família como "um lugar para trabalhar amanhã". "Uma empresa com três herdeiros pode passar a ter três donos e estes precisam se entender", diz Bernhoeft. Segundo ele, ainda é prática nas empresas familiares brasileiras o uso de funcionários - como motorista e contador - para finalidades pessoais.
Na opinião de Bernhoeft, o mercado de capitais pode contribuir para a separação e também sai beneficiado pela mudança do papel do herdeiro para o de investidor que recebeu uma participação acionária. Em parte, foi o que fez a multi-familiar Natura. Os três controladores abriram o capital, sem abrir mão do controle, colocando 25% das ações no mercado e ainda diversificaram os patrimônios pessoais.
O crescimento do número de milionários aumenta a necessidade de serviços especializados. De acordo com estudo da corretora Merrill Lynch e da consultoria Capgemini, o número de pessoas com mais de US$ 1 milhão de patrimônio no Brasil cresceu em 2003 para 80 mil, comparado a 75 mil em 2002, com um patrimônio de US$ 1,75 trilhão. Parte desse aumento reflete a valorização do real em 2003, mas a tendência mundial é de crescimento. No mundo, são 7,7 milhões de milionários, donos de US$ 28,8 trilhões. O número de milionários cresceu 7,5% e o patrimônio 7,7% só no ano passado. A expectativa é de chegar a US$ 40,7 trilhões até 2008.
Para aproveitar o nicho promissor e popularizar o segmento no Brasil, até o padrão internacional foi adaptado. Nos EUA, os family offices têm patrimônios acima de US$ 150 milhões, mas aqui há escritórios que oferecem serviços para famílias com mais de R$ 1 milhão em ativos. Os custos podem variar de 0,6% ao ano sobre o patrimônio - para valores acima de R$ 100 milhões - a 1% para faixas próximas de R$ 1 milhão. Segundo o diretor sênior e responsável pelo Private Bank do Itaú, Lywal Salles, se fosse respeitado o padrão mínimo de US$ 50 milhões de alguns family offices, menos de 70 famílias teriam patrimônio para isso.
Planejar a sucessão inclui também escolher a melhor forma de diminuir a mordida de impostos ou de relações conjugais mal resolvidas. "Se o filho está namorando, pode ser constrangedor fazer um pacto de convivência, mas quando há um escritório para isso, fica mais difícil levar para o lado pessoal", diz Emílio Soares. Ele hoje tem 20 clientes, mas montou a Naopim Family Office para administrar o dinheiro da própria família, após a venda da fábrica de cimentos Montes Claros para a francesa Lafarge, por US$ 120 milhões em 1996, e teve de distribuir os recursos entre 22 sócios, entre primos, tios e os pais.
Emílio conta que mesmo orientações que parecem simples podem ajudar os clientes. "Quem estiver com o patrimônio numa holding pessoal pode estar perdendo dinheiro, aí é melhor deixar na pessoa física, mas ficar com vários imóveis na pessoa física pode não compensar e pode ser melhor montar uma holding imobiliária", exemplifica.
Uma medida raramente utilizada pelos clientes, mas que pode evitar pagamento de Imposto de Renda desnecessário é, em caso de obras num imóvel, pedir o reconhecimento do aumento do valor do bem no Registro de Imóveis. "Isso evita que seja caracterizado um ganho de capital na venda", diz Emílio Soares.
Outro caso, diz ele, é quando os pais querem dar dinheiro para os filhos: pode ser melhor fazer isso por meio de uma distribuição de dividendos, livres de tributação, ao contrário do que acontece na doação. E, em algumas situações, pode ser melhor distribuir o patrimônio em vida para evitar que os herdeiros tenham de arcar com os impostos.
"Ser herdeiro pode ser a pior coisa do mundo, pois precisa-se conviver com o sucesso da geração anterior e, se não mantiver o patrimônio, vão dizer que nem isso o sujeito foi capaz de fazer", avalia o especialista em governança familiar René Werner, egresso de um family office que administra os recursos sua família, fundadora da Sumaré Indústria Química.
Uma da gestora de recursos que criou área especial para grandes fortunas familiares foi a Fidúcia Asset Management, braço de multimercados da Rio Bravo. Segundo o diretor executivo da Fidúcia, Marcelo Serfaty, eles atendem sete famílias e administram cerca de R$ 400 milhões com um ano de empresa. A ambição é chegar a 40 famílias em dois anos. Há negociações com 30, mas muitas não conseguem definir suas estruturas de decisão e de risco.
Com a crescimento da importância dos family offices, a idéia de que só imóveis garantem o patrimônio está mudando. De acordo com o estudo da Merrill Lynch e da Capgemini, em 2003 o investimento em ações teve a maior fatia das aplicações milionárias no mundo - 35% do patrimônio destes ante os 20% de 2002. Investimentos alternativos - hedge funds, moeda estrangeira, arte, metais e produtos estruturados - foram 13%, contra os 10% de 2002. A renda fixa caiu de 30% para 25% dos investimentos. Apesar do aparente aumento do apetite pelo risco, os imóveis eram 15 do patrimônio em 2002 e hoje são 17%.
Segundo Serfaty, não há um perfil de risco único na gestão familiar de fortunas. Mesmo que o padrão de vida não mude de R$ 100 milhões para R$ 200 milhões investidos, algumas famílias têm gerações jovens, estão em fase de crescimento e acabam assumindo mais risco. Outras já estão em fase de gasto da renda, precisam de mais caixa e têm menos tolerância à volatilidade, diz.
Para dar conta das diversas demandas desse público, Lywal Salles, do Itaú, estabeleceu parceria com cerca de 20 instituições, entre escritórios de advocacia e até mesmo gestoras de recursos não pertencentes ao grupo Itaú.
"Temos preocupação em trabalhar com uma arquitetura aberta, ou seja, oferecer produtos de diversas instituições brasileiras e estrangeiras", diz ele, que considera a preocupação em só vender produtos da própria instituição danosa ao serviço.
Por contraditório que pareça, a humildade no atendimento a este tipo de cliente é fundamental. "Não podemos querer atender 100 famílias de uma vez", diz Salles, que dá conta de seis fortunas familiares, cerca de R$ 500 milhões totais. Cada família é atendida por um diretor do banco e mais quatro profissionais, alguns com origem em famílias do seleto grupo de milionários.

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